Engraçada essa coisa que uns chamam de “leis que regem o universo” e engraçado como essas leis que regem a vida humana são espiralares. O tempo passa e as mesmas coisas, uma hora ou outra, vão evoluindo, mas em algum ponto, se repetindo. Digo evoluindo porque dificilmente com o passar desse tempo as coisas regridem. Ou estagna-se, ou evolui-se.
Dia comum, sol alto. Aquele sono depois de um almoço e eu quase dormindo enquanto escutava alguma coisa de bossa nova baixinho. O celular toca, uma amiga antiga. Falei rápido, soltei o celular em qualquer lugar e voltei pro travesseiro. O celular toca novamente e eu com aquela preguiça felina de abrir os olhos, por um momento não quis atender achando que era a mesma amiga pra pedir outra informação. A consciência pesou, abri os olhos com o resto da disposição que uma amizade de mais de 10 anos deixava, catei o telefone debaixo da cama, olhei para a tela. Olhei e levantei num salto, num susto rápido. Ele me ligava. Ele. Era, era ele e não retornava nenhuma ligação minha. Tanto tempo e era uma ligação dele.
Atendi. Ele perguntou se estava ocupada, disse que estava na cidade, que resolveria umas pendências e pediu pra que eu fosse à universidade encontrá-lo. Falei a ele que resolvesse as pendências e que me ligasse após, se ainda desse tempo de nos vermos. Ele pediu para que eu fosse de qualquer forma.
Fui.
Aquele ritual de sempre, abrir o sorriso, escolher roupa, sapatos, brincos, perfume.
Encontrei-o. Um abraço, dois sorrisos, “que saudade, como anda?”. Durante um segundo tudo de três anos antes passou como um filme na cabeça e olhei para ele estática. Eu me olhava no espelho e era outra pessoa. Ele, ainda tinha o mesmo rosto, o mesmo sorriso, o mesmo corte de cabelo, usava o mesmo perfume, os mesmos óculos. O cheiro da pele, não o cheiro do perfume, aquele cheiro só dele, da pele dele, foi a parte mais desconcertante quando, no abraço, me aproximei do seu pescoço.
Andamos para resolver as coisas dele com conversas normais de dois amigos que não se viam há tempos. Ele perguntou como havia sido minha viagem. A parte engraçada é que ele me tem com algum “soro da verdade”, onde parece que só ele consegue me descobrir sem que eu diga uma palavra. Em uma risada, ele descobriu como foi toda a viagem. Só tive o trabalho de contar uns poucos detalhes, enquanto ele repetia rindo o que sabia que eu havia feito em duas semanas longe. Parece que demoramos umas horas para adaptarmo-nos que éramos nós. Mas a cada assunto conversado, os dois sabiam que não éramos dois amigos, era bem mais, mas ao mesmo tempo não éramos nada. Cada “eu me lembro disso” que falávamos deixava isso bem claro. As coisas ficam no ar sozinhas. E a gente sempre sente.
Eu precisava ir, tinha o tempo contado, ele andou até o ponto comigo. Outra parte estranha era o fato de evitar nos tocarmos, não sei responder por que. Mas simplesmente não nos tocamos depois daquele primeiro abraço, a não ser quando ele, timidamente segurou o meu braço para evitar que eu distraidamente atravessasse a rua na frente de um carro. Devo dizer que isso me valeu a tarde, de certa forma.
Sentamos na grama pra esperar a minha hora, ainda assim evitando até mesmo nos olharmos diretamente. Ofereci uma pastilha, como de costume, já que tenho a mania de andar com algumas sempre na mochila –“dessa vez eu aceito!”. Ainda lembrava-se da minha mania antiga, mesmo sem nunca ter aceitado das vezes que ofereci.
Comentei sobre o final do meu relacionamento com outra pessoa. Ele, de forma desconcertada também, me falou que andava namorando. Não sei se ele chegaria a comentar sobre comigo se eu não tivesse falado de mim antes. O coração ficou apertadinho e eu fingi um sorriso de que ficava feliz por ele. Também não fiquei tão mal assim. Somente fiquei me perguntando por que ele quis passar a tarde comigo, quando podia estar com a namorada (se bem que ela estava na aula), enfim. Um conhecido dele passou, puxou conversa, nesse meio tempo meu transporte chegou. Levantei às pressas, dei-o um abraço rápido e disse que estava indo. - “Te ligo depois pra gente marcar algo com mais calma!” –“Liga, liga sim!” e corri para não perder a hora. Enquanto o carro manobrava, percebi que ele prestava atenção e sorria doce de longe, mesmo não conseguindo me ver da parte de dentro por causa dos vidros escurecidos.
Mais uma ligação, mais um encontro, mais desses sorrisos, que talvez não queiram dizer nada, que não trazem a promessa de nada, mas que deixam aquele sentimento de que não foi a última vez. Aquele sentimento de que não é só isso, mas é algo bem distante, quase irreal, eu diria, se não o conhecesse tão bem, talvez melhor que qualquer um.
História curta, besta, simples, banal, desinteressante. Dessas coisas que passam quase despercebidas, mas que ficam martelando na cabeça um dia ou dois e só, que talvez a gente nunca entenda, mas que com certeza, em algum ponto da vida, vão se repetir. Evoluídas ou estagnadas, mas vão. Tenho certeza disso. São também esses reencontros que regem a nós e o universo.