A conta-gotas.
Era assim que os dias costumavam passar logo que você se foi. Dizendo que me amava ainda, é verdade, mas que não tinha coragem de deixar a outra, mas que voltaria. Que não sabia o que aconteceria entre nós, mas que voltaria.
Não eram tantos meses, não era tanto tempo, mas os dias se passavam insuportáveis. Parecia que alguém depositava gotas de 24 horas numa jarra de fundo escuro e distante. E eu mesmo assim marcava dia a dia num calendário mental quando finalmente ia chegar o término do meu tormento emocional que amigo querido nenhum agüentava mais ouvir. Eu achava que sua chegada resolveria todos os problemas. Fantasiava que você voltaria dizendo que sentiu saudade, que foram dias tortuosos, que me pediria desculpas e dormiria comigo alisando meus cabelos. Mas sabia que era fantasia.
Com o tempo, os dias deixaram de ter gotas tão longas. Uma hora ou outra eu ia precisar voltar a viver. Claro, na maior parte dos dias eu olhava o teto do meu quarto ao acordar (via os seus presentes espalhados pelas prateleiras e fingia que eles não me davam saudade mais) e ficava me perguntando qual seria o próximo passo a dar, porque minha vontade de verdade era de não abrir os olhos novamente. Nem tinha vontade de comer, de atender as ligações, de sair de dentro do quarto, na verdade.
Num súbito, fui raptada por queridos e levada praquela praia que nunca fomos. Viajei como nunca viajamos. Por que você sempre se recusava?
Gostava de entrar no mar fundo. Era agitado, eu sempre lembrava de mamãe dizendo que era perigoso. Mamãe sempre foi neurótica.
O segredo é que eu gostava de entrar só no mar até o fundo e ficar esperando as ondas quebrarem sobre mim. Elas quebravam uma a uma na minha cabeça e eu sentia a corrente forte me arrastando. Eu ficava lá, impotente e sem forças até que a onda tivesse vontade de me cuspir fora dela na areia. Sentia o corpo todo girando e indo em direções diferentes, os braços, as pernas, os cabelos. Devia ser assustador, mas era confortável. Nos segundos que eu tentava não morrer afogada, não tinha tempo de me concentrar em você.
Vai passar, vai passar, passou (mentira). Mas vamos em frente. Eu convivendo com a realidade da sua nova felicidade e do seu provável e progressivo desamor por mim. Convivendo com o fato de que talvez o compromisso assumido por você num lapso tivesse se transformado finalmente em amor por ela. Me dando todo o trabalho de acreditar nisso. Fazendo sua ausência completa doer e me torturar pra que eu te detestasse de uma vez.
O calendário passava mais devagar agora que eu tinha resolvido que você a amava e que eu já não era mais nada além duma lembrança vaga.
Me encontrei numa cama diferente quando menos percebi. Deitada enrolada em uma beira somente do lençol como eu só tinha liberdade pra fazer com você. Você sabe que eu não me atrevia a dormir sem roupas em lugar algum que não fosse do seu lado. E não dividia o sono com ninguém que não fosse você.
Braços brancos me fazendo o café da manhã enquanto eu despertava entre beijos e afagos. Nós nunca cozinhamos uma pra outra, não que eu me lembre. Mas me dá saudade de quando jantávamos juntas escondidas do mundo, sempre o mesmo prato e não enjoávamos nunca. Ou até enjoávamos, mas era nosso, éramos nós.
Você foi clareando na cabeça enquanto aqueles cachos me beijavam o rosto, talvez até tenha esquecido sua voz.
Então, deitada de bruços na cama, enrolada numa beira do lençol, o telefone tocou o aviso de uma mensagem. Ínfima. Minúscula. Somente dois caracteres enviados no dia da sua volta. Ninguém que lesse saberia do significado daquilo, era pequeno e besta. Qualquer pessoa enviaria aquilo despretensiosamente. De um número já apagado do aparelho há tempos, que talvez eu fingisse que havia sido também apagado da memória. Mas a seqüência numérica na tela não me deixou nem fingir que era uma amiga ou que era engano. Torci pra que fosse isso até o último instante, mas era você. E na minha frente, era o café da manhã. E dentro de mim, uma explosão desesperadora.
Achei, durante meses, que a chegada de um sinal seu resolveria todos os problemas. O que ainda sente, o que ainda te prende a mim? Por acaso não aprendeu a amá-la ainda, ou é só vaidade e egoísmo que te prendem a esse passado só nosso, impenetrável? O que te fez me procurar? Tanto tempo e nenhum sinal e agora...
Agora, todos os problemas misturados. Não fuja, criamos em conjunto.
Agora, habita uma aliança na minha mão direita.
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